Biblioteca do Observatório Céu Austral

 

 

O equinócio de primavera

por Regina Auxiliadora Atulim

 

Embora os efeitos da primavera sejam menos perceptíveis no hemisfério sul que no hemisfério norte da Terra, notamos que, nessa época, a vegetação torna-se exuberante, os pássaros cantam mais e os dias adquirem um brilho e uma nitidez diferentes dos dias de inverno. Poderíamos nos contentar simplesmente com a contemplação da natureza, a sensação do aquecimento proporcionado pelo Sol da manhã e com as temperaturas amenas das noites, mas não. Vamos mais além e nos perguntamos? Por que a primavera é, senão a mais bonita, a estação do ano mais confortável? Por que a vegetação torna-se mais verdejante? Que é equinócio? De que maneira primavera e equinócio se relacionam?

 

Essas são questões que exigiram muitos estudos e um grande intervalo de tempo de observações do Sol, do céu e da natureza para serem respondidas. Em linguagem astronômica, os equinócios são dois pontos de intersecção entre o equador celeste (projeção do equador da Terra sobre a esfera celeste) e a Eclíptica (trajetória aparente do Sol em torno da Terra, decorrente da falta de percepção do movimento de translação da Terra em torno do Sol).

 

O equador celeste divide a esfera celeste em dois hemisférios - o norte e o sul. Os pontos de equinócio marcam a passagem do Sol de um hemisfério celeste para o outro: aproximadamente no dia 23 de setembro de cada ano, o Sol passa por um ponto de equinócio (ponto libra), deixando o hemisfério celeste norte e entrando no hemisfério celeste sul; por volta do dia 20 de março, passando pelo outro ponto de equinócio (o ponto gama), ocorre o contrário. Essas datas são conhecidas como os dias dos equinócios de primavera e de outono, respectivamente, e coincidem com início das estações da primavera e do outono no hemisfério sul da Terra (no hemisfério norte elas correspondem ao início das estações do outono e da primavera).

 

Da cidade de São Paulo (latitude = 23º 32' sul), podemos visualizar as mudanças de estação observando o movimento do Sol ao longo do ano. Percebemos facilmente que nos meses de verão, o Sol permanece acima do horizonte por mais tempo que abaixo - os dias são mais longos que as noites. No inverno, a situação se inverte. A observação diária do nascer e do ocaso do Sol nos revela que ele se ergue e mergulha em diferentes pontos do horizonte ao longo do ano: durante o verão, ele surge em pontos do horizonte situados ao sul do ponto cardeal leste e se esconde ao sul do ponto cardeal oeste.

 

Durante o inverno, seu nascer e ocaso ocorrem em pontos situados ao norte dos pontos cardeais leste e oeste. Percebemos que, por volta do dia 22 de dezembro de cada ano, o Sol nasce no ponto do horizonte mais afastado possível do leste na direção sul (entre o leste e o sudeste). Nesse dia, notamos que as sombras dos objetos têm tamanhos mínimos e quando o Sol cruza a região mais alta do céu, sua distância ao zênite (ponto mais alto do céu diretamente acima de nossas cabeças) é mínima. Esse dia é chamado solstício de verão, quando tem início a estação mais quente do ano no hemisfério sul da Terra.

 

Durante o verão, a insolação é maior: estando o Sol no hemisfério celeste sul, seus raios incidem perpendicularmente à superfície de São Paulo e, por isso, atravessam uma espessura menor da atmosfera terrestre, perdendo assim menos energia que quando atingem a superfície mais obliquamente. Por encontrar-se no hemisfério celeste sul, o Sol percorre uma trajetória diurna mais longa no céu da cidade, permanecendo menos tempo abaixo do horizonte. Cerca de seis meses depois, por volta do dia 20 de junho, a situação se inverte: o Sol nasce no ponto mais distante possível do ponto cardeal leste para os lados do norte (entre o leste e o nordeste) e se põe entre o oeste e o noroeste. Nessa data, por volta do meio-dia, os objetos projetam as maiores sombras possíveis, pois os raios solares atingem a superfície do hemisfério sul muito obliquamente.

 

Em decorrência da maior obliqüidade dos raios, a intensidade da energia solar que atinge a superfície é menor, provocando um menor aquecimento da atmosfera. Por encontrar-se no hemisfério celeste norte, o Sol percorre uma trajetória diurna muito curta no céu da cidade de São Paulo, permanecendo por mais tempo abaixo do horizonte. Partindo-se de um dia de solstício, observamos que, a cada dia, o Sol nasce e se põe em pontos do horizonte cada vez mais próximos do ponto cardeal leste e, pouco a pouco, as durações das noites e dos dias vão se igualando, atingindo um certo equilíbrio nos dias de equinócio, quando, então o Sol nasce praticamente sobre o ponto cardeal leste e se põe sobre o ponto cardeal oeste.

 

Desde o solstício de verão até o solstício de inverno, os raios solares vão se tornando cada vez mais oblíquos, diminuindo o aquecimento da superfície e, por conseqüência, a temperatura do ar. Durante o outono, muitas espécies vegetais preparam-se para a diminuição da energia solar, perdendo grande parte ou totalmente as folhas, devido à redução do metabolismo durante o inverno. Após o solstício de inverno, os raios solares vão tornando-se mais energéticos, e à medida que a primavera se aproxima, a vegetação volta a se cobrir de folhas, preparando-se para a retomada da produção de energia pela fotossíntese. Os pássaros começam a sair dos ninhos em busca de comida, mais escassa durante o inverno e cantam mais por causa dos rituais de acasalamento.

 

A vida na superfície da Terra durante muito tempo dependeu das estações do ano, principalmente no hemisfério norte, onde os invernos e verões são mais rigorosos por causa da maior concentração de terras do que de oceanos. A agricultura também era regida pelas estações: a época de semeadura iniciava-se com a primavera e a colheita ocorria, no máximo, durante o outono para que os estoques de alimentos fossem preparados para os tempos difíceis do inverno.

 

Atualmente, nas regiões mais castigadas pelo frio (ou pelo calor) bem como nas mais humildes, a agricultura talvez ainda dependa do ciclo de estações, mas nos locais mais desenvolvidos e menos susceptíveis a grandes amplitudes térmicas, a tecnologia ajuda a contornar as deficiências e os excessos da natureza, tornando possível iniciar-se empreendimentos agrícolas praticamente em qualquer época do ano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

a esfera celeste e o movimento do Sol pela Eclíptica

 

 

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