Biblioteca do Observatório Céu Austral

 

 

A estrutura interna de Marte

por Paulo Gomes Varella

 

Admite-se, atualmente, que os astros do Sistema Solar (Sol, planetas, satélites, etc.) originaram-se de uma enorme nebulosa. Em torno do Sol recém formado, iniciou-se a formação dos planetas telúricos, a partir dos materiais mais densos presentes na nebulosa (os planetesimais), trazidos às proximidades do Sol por sua força gravitacional.

 

Os planetesimais geraram os planetas telúricos e a Lua por um processo chamado acresção, que consiste em sucessivas colisões aglutinantes entre partículas. Inicialmente, os pequenos grãos colidiam esporadicamente. À medida que os corpos cresciam as colisões tornaram-se cada vez mais freqüentes. Quando os corpos resultantes atingiram dimensões quilométricas, suas atrações gravitacionais tornaram-se relevantes, acelerando o processo de acresção. Em termos geológicos, a duração do processo de acresção não é clara, mas o processo total (desde as primeiras colisões até o final da formação dos planetas telúricos) foi relativamente rápido. Pela determinação da idade de meteoritos rochosos (corpos já diferenciados) em 4,5 bilhões anos, o processo ocorreu, no máximo, em 200 milhões de anos (desde a formação da nebulosa primitiva até o aparecimento dos planetas. Por exemplo, no modelo de Safronov (1972), a Terra acumulou entre 97 e 98% de toda a sua massa atual em apenas 100 milhões de anos.

 

Entretanto, apesar da origem comum, o processo de acresção não é totalmente claro, pois há diferenças entre os astros gerados nesta área do Sistema Solar. Uma das diferenças mais importantes refere-se às densidades médias dos cinco astros, que vão decrescendo desde a Terra (o mais denso) até a Lua (o menos denso), passando por Mercúrio, Vênus e Marte.

 

A existência de diferentes densidades médias pode indicar diferenças na composição química da nebulosa primitiva: gradientes de pressão e/ou de temperatura podem ter alterado localmente a concentração de ferro ou seu estado de oxidação.

 

Os astrônomos supõem que os cinco astros surgiram a partir de pequenos corpos com constituição semelhante à dos meteoritos do tipo condritos (aerólitos condríticos), que acreditamos serem os materiais mais primitivos do Sistema Solar, com composição química análoga à da “poeira” presente na nebulosa primitiva. Tais meteoritos apresentam côndrulos (pequenos grãos formados por minerais silicáticos como olivinas, piroxênios, etc.) entremeados por substâncias metálicas.

 

Astro

densidade média (água=1)

Terra

5,512

Mercúrio

5,435

Vênus

5,240

Marte

3,934

Lua

3,440

 

À medida que o processo de acresção evoluía, estes fragmentos condríticos iam se juntando e formando um corpo cada vez maior e mais quente, pela transformação da energia cinética dos corpos (antes das colisões) em energia térmica (após as colisões). Além disso, pequenas quantidades de elementos radioativos contribuíram com uma parte do calor à medida que se transmutavam. O aquecimento foi suficiente para que o material sofresse fusão e a conseqüente diferenciação química (processo também condicionado pela afinidade química), com as frações metálicas (mais densas) migrando para a região central do corpo (núcleos metálicos de Fe e Ni) e com o acúmulo das frações silicáticas, mais leves, na parte externa (manto de composição silicática).

 

Na Terra, tal diferenciação resultou em uma estrutura em camadas concêntricas, com um núcleo metálico na região central do planeta e camadas silicáticas (manto e crosta) mais externas, ou seja, a matéria distribuiu-se no interior da Terra de acordo com os princípios da isostasia (equilíbrio isostático). Acreditamos que o mesmo tenha ocorrido com os demais planetas telúricos (pelo menos com Mercúrio e Vênus). No caso de Marte e da Lua, por suas baixas densidades, é possível que o processo não tenha ocorrido do mesmo modo ou que o material originário não contivesse quantidades suficientes de metais para gerar um núcleo de grandes proporções.

 

A ausência de um campo magnético detectável sugere a presença de um núcleo metálico sólido, um núcleo com materiais de altíssima viscosidade (quase sem movimento) ou, ainda, ausência de um núcleo contendo substâncias metálicas, existindo apenas materiais silicáticos na região central de Marte. As recentes missões MARS PATHFINDER e MARS GLOBAL SURVEYOR propiciou pouco conhecimento sobre a estrutura interna marciana. Desta forma, nosso melhor modelo (pelo menos o mais aceito atualmente) é baseado em evidências indiretas como sua densidade média, seu momento de inércia(*) e aparente semelhança com os outros planetas telúricos. Internamente, Marte deve ser estruturado em camadas concêntricas, mas com o ferro presente, quase totalmente oxidado, o que implicaria em um núcleo metálico de pequenas dimensões.

 

Alguns modelos atuais apontam para a existência de um núcleo metálico com algum enxofre, com 45% do raio do planeta e cerca de 12% de sua massa.

 

A existência de um núcleo, mesmo que pequeno, é também uma decorrência dos dados obtidos a partir do cálculo do momento de inércia de Marte, que implica em um modelo com um aumento de densidade na direção do centro do astro, reforçando a idéia da presença de uma região central mais densa e do caráter diferenciado das camadas de sua estrutura interna. Muitas dúvidas, ainda, permanecem e novas missões ao planeta vermelho devem ajudar na solução.

 

(*) Momento de inércia (I) de um planeta esférico é a grandeza que mede sua inércia no decorrer do movimento de rotação em torno de seu eixo. É obtido a partir do conhecimento de sua massa (m) e de seu raio (r), de acordo com a relação:

 

 

estrutura interna de Marte

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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